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Alfredo Marceneiro "O Patriarca do Fado"

COMO O FADO COMEÇOU A SER CANTADO Á MÉDIA-LUZ

Vítor Marceneiro, 06.02.14

Alfredo Marceneiro e as luzes no Fado

 

 

 

Alfredo Marceneiro foi o responsável por, a partir de determinada altura, os fadistas passarem a cantar o fado à média luz. Na iluminação da altura (anos vinte) era usado o acetileno que não permitia a diminuição progressiva da luz, razão pela qual ele sugeriu a ideia de acender umas velas para se cantar o Fado.

Eis pois o episódio que Alfredo  frequentemente recordava:

"Todos os anos, para celebrar a abertura da água-pé, o Rogério Estivador organizava na sua Quinta da Paiã, uma grande e regada patuscada, com a festança a terminar invarialvelmente com uma sessão de fados sendo os fadistas convidados pelo Chico Carreira. Rogério Estivador, que  não era grande apreciador de fado, comentava sempre que para ele os fadistas cantavam todos da mesma maneira. Então o Chico Carreira, perguntou-lhe se já ouvira cantar o Alfredo Marceneiro. O Rogério disse-lhe que não e que nem sequer estava interessado, tendo o Chico ripostado:

— Hoje veio comigo o tal Marceneiro e podes crer que  quando o ouvires,  hão-de chegar-te chegar -te as lágrimas aos olhos.

O Rogério largou uma gargalhada. Ele chorar por causa de um fadista? Ora, o Chico não estava bom da cabeça.

Quando terminou a patuscada, já noite alta, os fadistas começaram a cantar e quando chegou a vez do Alfredo Marceneiro, este, que não estava muito inspirado, cantou um fado qualquer, pouco propício a fazer chorar fosse quem fosse.

O Rogério zombou, dirigindo-se ao Chico Carreira:

— Então este é que é o tal que me ia fazer chorar?

Chico Carreira foi ter com o Alfredo e contou-lhe tudo. Alfredo encheu-se de brios, levantou-se e dirigindo-se aos comensais disse:

— Vou cantar, dedicando ao dono da casa, Senhor Rogério, mais um fado. A letra que vou cantar é da autoria do grande poeta popular Henrique Rêgo e tem como tema o sentimento que mais prezo: O Amor de Mãe. Peço a todos o máximo silêncio e agradecia que as luzes fossem apagadas:

— As luzes? — perguntou o dono da casa — Então ficamos ás escuras?

— Não — disse Marceneiro — Agradecia que mandasse vir umas velas e que as espetassem em gargalos de garrafas.

Assim se fez. A iluminação,  a acetileno, foi substituída pela luz trémula e difusa das velas e, no meio do maior silêncio, Alfredo Marceneiro entoou, com sentimento profundo, os primeiros versos do fado:

 

"Ó  ÁGUIA!"

Se para ser Homem, Jesus

Precisou que uma Mulher

O desse á Luz neste Mundo

O Amor de Mãe é a Luz

Que torna o nosso viver

Num Hino de Amor Profundo

 

E prosseguiu sempre no mesmo tom dolente a cantar este lindo poema de Henrique Rêgo com música do Fado Bacalhau:

 

Ó águia que vais tão alta

Num voar vertiginoso

Por essas serras d´além

Leva-me ao céu, onde tenho

A estrela da minha vida

A alma da minha mãe

 

              Loucos sonhos juvenis

              Fervilham na minha mente

              Que me fazem ficar chorando

              Quando tu águia imponente

              Te vejo tranpor voando

              As serras e os alcantis

 

Quando te vejo voar

Pelo vasto firmamento

Sobre as campinas desertas

Com profundo sentimento

Tu em meu peito despertas

Sonhos que fazem chorar

 

                Ó velha águia altaneira

                Vem aliviar-me, vem

                Do mal que me vem o ferir

                Vê se ao céu, me transportas

                Para de beijos cobrir

                A alma de minha mãe

 

Quando Alfredo acabou o fado, Rogério Estivador não resistiu: grossas lágrimas lhe correram cara abaixo, tendo num impulso irresistível correr a abraçá-lo.

— Muito bem amigo Alfredo, isto é que é cantar com sentimento, isto é que é Fado."

E foi assim que naquela noite Alfredo Marceneiro deu início à tradição de diminuir as luzes quando se canta o Fado.

 

 © Vítor Duarte Marceneiro

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