Gonçalo Inocentes (Matheos) - Prosa a Alfredo Marceneiro
RETRATO
Não sou certamente um “bêbado pintor”
Por o escrever como escrevo.
Por pintar com letras este retrato.
Por pintar com letras o que se escreve com notas,
por recusar dizer como já todos disseram.
Mas não disseram tudo.
Porque o “tudo”, é meta que não é,
quando se quer explicar Alfredo Marceneiro.
Quando se quer (à viva força) vulgarizar Alfredo,
chamando-o de fadista, de génio.
Chamando-o de mestre.
Não! Marceneiro não foi um génio.
Não foi um mestre.
Marceneiro não foi fadista.
Como por todo o lado se escreve.
Marceneiro?
Marceneiro, lembro-me e bem,
era o Fado em pessoa.
Pois ele vestia o fado.
A sua pele era do fado.
Transpirava fado
Em todas as estações.
A sua voz soltava o fado,
que já no coração não cabia.
Fado que alimenta espíritos,
Fado que encanta fadistas.
Fado que está dentro do Fado.
Que mostra o que não se explica.
Serei um “bêbado pintor”?
Aquela voz agreste
Que vai e corre pelas letras,
como a charrua vira a leiva,
dando a terra à exposição.
Alfredo vira os espíritos,
Marceneiro dá novas almas…
às almas sofridas do fado.
Serei um “bêbado pintor”?
Não! Porque o “tudo”, é meta que não é,
Porque dizer tudo de Marceneiro,
pra se querer explicar Alfredo Marceneiro,
fica-se sempre p’lo meio.
Como o marceneiro talha a madeira,
na sua lentidão feita paixão,
e constrói espantos de amor…
Marceneiro talhou seus fados,
de muito amor e paixão.
E afinal Alfredo Marceneiro,
era a simplicidade em erupção.
Serei um “bêbado pintor?
Autor: Gonçalo Inocentes (Matheos)
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